segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

...alguns sinais

AUSÊNCIA

Quero dizer-te uma coisa simples: a tua
ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não
magoa, que se limita à alma; mas que não deixa,
por isso, de deixar alguns sinais _ um peso
nos olhos, no lugar da tua imagem, e
um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes
tivessem roubado o tacto. São estas as formas
do amor, podia dizer-te; e acrescentar que
as coisas simples também podem ser
complicadas, quando nos damos conta da
diferença entre o sonho e a realidade. Porém,
é o sonho que me traz a tua memória; e a
realidade aproxima-te de ti, agora que
os dias correm mais depressa, as palavras
ficam presas numa refracção de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de
mim _ e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói.

Nuno Júdice

escuto o silêncio das palavras

O AMOR, DIZES-ME

Escuto o silêncio das palavras. O seu silêncio
suspenso dos gestos com que elas desenham
cada objecto, cada pessoa, ou as próprias ideias
que delas dependem. Por vezes, porém, as
palavras são o próprio silêncio. Nascem
de uma espera, de um instante de atenção, da
súbita fixidez dos olhos amados, como se
também houvesse coisas que não precisam de
palavras para existir. É o caso deste sentimento
que nasce entre um e outro ser, que apenas
se adivinha enquanto todos falam, em volta,
e que de súbito se confessa, traduzindo em
breves palavras a sua silenciosa verdade.


>>>> ainda "na sombra" quanto ao tema desta edição, continuamos a deixar pistas e "in"suspeitas deixas quanto ao mesmo. enquanto não se vê claramente os contornos da "nossa rua", sugere-se a viagem pela poesia do "amor" - o calendário dos dias indica que o dia 14 de fevereiro, é dos enamorados. "a poesia está na rua" vai deixar "rumores" desses amores por estas bandas. aproveitem, os enamorados e os que estão em vias de ficarem...  

...puxo o teu corpo

ATÉ AO FIM

Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe.

Nuno Júdice

amo-te

RETRATO

Amo-te; e o teu corpo dobra-se,
no espelho da memória, à luz
frouxa da lâmpada que nos
esconde. Puxo-te para fora
da moldura: o teu rosto branco
abre um sorriso de água, e
cais sobre mim, como o
tronco suave da noite, para
que te abrace até de madrugada,
quando o sono te fecha os olhos
e o espelho, vazio, me obriga
a olhar-te no reflexo do poema.

Nuno Júdice

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

«...cacho de curvas...»

INSCRIÇÃO ESTIVAL

Ó grande plenitude!
                              E a tudo,
a tudo alheio,
                     saboreio.
Absorto
             sorvo
este cacho de curvas
                                tão maduras...
Este cacho de curvas que é o teu corpo!

David MF

...um poema líquido

VOTO

Que o fosso da memória se transponha,
que seja a solidão atravessada!
Da cálida crisálida renasça
de novo para o corpo o corpo todo!

Venham as roucas sílabas da posse
no búzio dos ouvidos enroladas!
Sobre a teia das veias implapáveis,
reconstrua-se a cúpula dos olhos!

Que tudo agora súbito se emprenhe
da realidade que a lembrança apenas
em folha de álbum, ressequida, guarda!

Que eu vá de novo decorar-te a seiva,
como um poema líquido que seja
urgente recitar na eternidade!

David MF

...não é possível escapar ao vício da leitura, e, muito menos quando se trata de David Mourão-Ferreira

SONETO DOS QUARTOS DE ALUGUER

O amor é só de quem os olhos cerra
no desalmado instante da entrega.
Cerrai-vos, olhos meus, antes que cega
vos cegue a lucidez que nos faz guerra.

Cerrai-vos, olhos meus, que os indiscretos
são punidos com leis muito severas.
Cerrados, sentireis... que primaveras!
Abertos, que vereis senão objectos?

E que abjectos objectos! tão prosaicos!:
tapetes de aluguar com flor´s manchadas;
entre os pés do biombo, continuadas
as tábuas do soalho por mosaicos...

...Sempre esse frio sórdido, a seguir
ao fogo em que nos qu´remos consumir!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

o programa "a poesia está na rua" está animado. recebeu das mãos da CM «música de cama» de David Mourão-Ferreira. malta, devem preparar o vosso canto...

MINUTO

O amor? Seria o fruto
trincado até mais não ser?
(Mas para lá do prazer
a Vida estava de luto...)


Fui plantar o coração
no infinito: uma flor...
(Mas para lá do fervor
a vida gritou que não!)


O amor? Nem flor nem fruto.
(Tudo quanto em nós vibrara
parecia pronto a ceder...)


Foi apenas um minuto:
a fome intensa, tão rara!,
de ser criança, ou morrer...


>>> obrigado MC

...o que está vago?

VAGAR

Dobro a esquina
do abraço
a lume posto

Doce de amora
de ponto
               desatado

Dispo o vestido
no vagar do corpo
preencho de prazer o que está vago


>>> talvez "a poesia está na rua" deva fazer a revelação do nome do autor destes textos. talvez o autor não aprecie, tanto anonimato e secretismo em volta da sua poesia. por outro lado, a não revelação do nome, permite viajar "por todos os nomes" cuja escrita possua «corpos com asas e seiva de paixão»

convoco para a poesia...

OS NOSSOS DIAS


Convoco-te
Contorno-te
Comovo-me

Com o teu corpo
delgado
na memória

As tuas ancas estreitas
nesta nossa história

Os teus pulsos morenos
com sabor a vitória

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

não é sempre mas, pode ser...

E POR VEZES


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos  E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos ocanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão Ferreira
Matura Idade 1973
Antologia Poética
Publicações D. Quixote, 1983


a poesia está na rua oferece uma 
camélia branca à CM
em troca deste poema. Obrigado...  

a flor eleita da poesia - a camélia

(...)

teria sido tão fácil    isto
digo eu agora
tudo estava preparado para a tua chegada
o café   os discos   os livros   as camélias
que me deste na manhã dos meus vinte anos
o vão de escada onde me pediste   fica

mas isso aconteceu há muito tempo
quando ainda havia sebes e laranjeiras bravas
e o jardim não se tinha transformado
em condomínio privado com guardas
no exacto local onde um dia desdobrámos o corpo
para o primeiro conhecimento do amor

isso aconteceu quando ainda mal sabíamos
desprender da boca as palavras necessárias
por isso não percebi que seria na cinza desses dias
que viria reclamar a tua vida

a minha única maneira de desenhar por ti
a eternidade

(...)

Dois Corpos Tombando na Água
Alice Vieira

sem mapa e sem sinais... a viagem

 CORPO

É pêssego
Tangerina
E é limão

Tem sabor a damasco
e a alperce

Toma o gosto da canela
de manhã
e à noite a framboesa que se despe

Da maçã guarda o pecado
e a sedução

Do mel
o açucar que reveste

Do licor
a febre que no seu rasgão
me invade, me inunda e me apetece

Mergulho depressa a minha boca
e bebo a sede
que em mim já cresce

Delírio que me enche
de prazer
tomando ponto num lume que humedece
Devagar mexo sem tino
as minhas mãos

Provando de ti
o que de ti viesse

O anis do esperma
o doce odor do pão
que o teu corpo espalha e enlouquece

>>> brevemente será feita a revelação...

deitada sobre o luar acordo e sigo viagem por cima de ti...

TURBAÇÃO


Não podendo suster
tanto apetite
tanta vontade de te morder
a boca

Se estás longe procuro
outra maneira
de te tocar e toda a pressa é pouca
Desço os pulsos e afasto
os meus joelhos

Subo os dedos
e toco a minha folha

Entreabro os lábios
e não querendo é já
uma rosa doce
que a minha mão desfolha


>>> mantenho o véu sobre a autoria de tão belos textos

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

...e mais um para confirmar as suspeitas!

ETERNIDADE

Será a tua cama
a minha cama
aquela onde revolvo
um sono acidentado?

Onde dormes de lado
ou vigias
o modo alheio que a madrugada
abre

Será tua a proposta
deste encontro
ou será meu este amor
que arde?

Uma flor de fogo
que incendeia
a nossa cama antes do fim
da tarde

Se é tua a dúvida
e minha esta certeza
daquilo que despimos
e na cama tarda?

O vestido descendo pelas ancas
sendo
da sede o que segura
e na seda aguarda

Será tua a vitória
e minha esta derrota
de não poder segurar-te
a vida inteira?

Por mais que queira
a eternidade guarda
o tempo que por ela
já se esgueira

>> e a resposta é...

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

aplausos, para a senhora que se segue...

FLOR DA BOCA

És tentação permanente
à minha beira

Beijos rasos
à flor das bocas

Húmidas as duas
e as duas loucas
A do corpo mais que a da face
inteira

Inteiramente tuas
de maneira
que quando a tua língua
se incendeia

pega fogo ao desejo
e logo a chama
galgando em si própria
já se ateia

Trepando devastando
e só no topo
é grito e orgasmo
e é madeira



>>>>> desafio os seguidores deste blog, a adivinharem o nome do(a) autor(a) do texto

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

e outro mais...

TRÊS PEDRAS NA MÃO


Três pedras na mão:
uma branca, uma azul, outra amarela.

As superstições da minha noite branca de centauro
azuis como o cheiro da terra
amarelas como a curva quente do teu ventre,
o silêncio telúrico a penetrar nas veias
no tropel do vento erguendo-se a esperança
mosto do tempo
já noite puída, feculenta
que guardo entre as páginas do breviário
onde registo os perfis minuciosos
do teu frondoso amor.

Três pedras na mão:
uma branca, outra negra, outra vermelha.

Fernando Alves dos Santos
1928.1992

curioso é o "três..."

TRÊS COISAS

Cansado já de tudo
Cansado de amar
Nada mais tenho que um modo
de existir respirar

Já não sei aonde ir
Nem sei de onde venho
Queimei-me de existir
Cinzas agora tenho

Perdi meu coração
Paguei-o como peça
de fogo enfim carvão
Tornada fumo a cabeça

Persegui como um cego
três coisas sem piedade
respiração e depois
prazer e obscuridade

(poemas mudados para português por Herberto Helder)

«/.../ em todas as ruas te encontro /.../»

POEMA

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

"in.suspeitas" pistas...

DE TARDE

Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Cesário Verde
1855.1886

não resisto a fazer uso da sugestão de Carlos Bessa... digam quais deitariam!!??

TRÊS DESEJOS

Olhem à vossa volta e
de entre o que mais importa
digam-me
o que deitavam fora?

Carlos Bessa
1967


vamos inverter a tendência do "querer"
vamos...

mas entretanto...

AS PALAVRAS-OBJECTOS


Estou aqui
no mundo das palavras-objectos
que mudamente me falam
com quem mudamente falo
ao usá-las:
mas que uso fazem elas de mim?

Se bato nelas, elas batem em mim
se estou irritada, ameaçam-me
ameaçam ferir-me
fazer-me tropeçar, cair, soçobrar

Mas se estou calma e confio nelas
então elas confiam em mim:
entregam-se
enchem os meus dias
amparam as minhas noites
ternamente
aconchegam-me em suas estruturas

Mas porquê?
porquê?
para quê?

ANA HATHERLY
1929 
O Pavão Negro

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

mudamos a cor e em breve anunciamos "novas"

deixamos pistas para a notícia que se segue "a designação e o respectivo tema" da edição 2011 do programa "a poesia está na rua".

para breve a possibilidade de ver (aqui) "a nossa memória " - iremos colocar algumas imagens de (extraordinários) momentos.

a poesia está na rua

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

o "caminho" que (já) fizemos...

... enquanto reina a dúvida no ar (originando uma atmosfera de expectativa) sobre o tema do programa "a poesia está na rua" recordamos os temas e os poetas homenageados, das edições anteriores.

1ª edição / 2004
a poesia está na rua
Homenagem a António Ramos Rosa
{.../ Não posso adiar o coração}

2ª edição / 2005
a poesia e o surrealismo
Artur do Cruzeiro Seixas
{Colho uma palavra
há muito abandonada
na areia /...}

3ª edição / 2006
a poesia faz bem à saúde
Manuel António Pina
{... São elas, as tuas palavras, quem diz «eu»;
se tiveres ouvidos suficientemente privados
podes escutar o seu coração
pulsando sob a palavra da tua existência,
entre o para cá de ti e o para lá de ti....}

4ª edição / 2007
fé na poesia
José Tolentino de Mendonça
{... A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta}

5ª edição / 2008
ofício de poeta
António Osório
{Se eu fosse uma coisa, amaria ver-me
como comboio-correio. Longo e nocturno,
...}

6ª edição / 2009
pano pramangas
A. M. Pires Cabral
{... Dizem tudo isso dos ciganos. Eu não sei.
Vejo-os vir dos lados de Grijó
e estão todos de frente para mim
e parecem-me gente - nada mais.}

7ª edição / 2010
humor com humor se paga
Rosa Alice Branco
{Não sei se existo, pelo que há algumas probabilidades de eu pensar, ou não. Mas parece que escrevo. Quando escrevo não penso em nada e, raramente, sei o que vou escrever. Mesmo nestas raras ocasiões nunca me sai aquilo que pensava saber. O meu maior vício é escrever tudo o que venha, ou não, a gostar de ter escrito. /...}

8ª edição / 2011
????? (aguardem... ou tentem adivinhar!!!!)


o comissário do programa "a poesia está na rua" é o Jornalista Alberto Serra (desde a primeira edição)

a poesia está na rua
"a poesia está na rua" já evidencia sinais de franca motivação para se expôr aos que estão "ligados" às palavras dos poetas.
o programa e o respectivo tema desta edição, promete trazer à "rua" novos poetas (...estes trarão novas leituras e outras tantas formas de os ler/dizer).
muito em breve haverá a revelação do calendário dos acontecimentos e os convocados (todas e todos os que não abdicam de estar) podem reservar (na agenda dos dias) a "cadeira ou o canto"...
é nesta "rua" que o encontro acontece...!

a poesia esta na rua