sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

... indo de nome em nome (com a euforia típica de quem passeia pela primeira vez) dei de caras com uma Antologia. Antologia do Humor Português da dupla Nuno Artur Silva & Inês Fonseca Santos.

MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA

RIFÃO QUOTIDIANO

Uma nêspera

estava na cama

deitada

muito calada

a ver

o que contecia


chegou a Velha

e disse

olha uma nêspera

e zás comeu-a



é o que acontece

às nêsperas

que ficam deitadas

caladas

a esperar

o que acontece



TELEFONEMA

Telefonaram-lhe para casa e perguntaram-lhe se estava em casa.

Foi então que deu pelo facto. Realmente tinha morrido havia já dezassete dias.

Por vezes as perguntas estúpidas são de extrema utilidade.



Natália Correia

SONETO AO DEPUTADO MORGADO



Já que o coito – diz Morgado –

Tem como fim cristalino,

Preciso e imaculado

Fazer menina ou menino;

E cada vez que o varão

Sexual petisco manduca,

Temos na procriação

Prova de que houve truca-truca.

Sendo pai só de um rebento,

Lógica é a conclusão

De que o viril instrumento

Só usou –parca ração! –

Uma vez. E se a função

Faz o orgão – diz o ditado –

Consumada essa excepção,

Ficou capado o Morgado.



Alberto Pimenta

EMBUTIDO



numa sexta-feira treze ao meditar no

IRREMEDIÁVEL EMPOBRECIMENTO da poesia

caiu-me a alma aos pé. no sábado cat

orze foi chamado o médico. o médico de

clarou que eu precisava de uma alma

nova. o domingo não é dia de pôr almas

novas. na segunda dezasseis o médico

montou-me a alma nova. e declarou que

a partir de então eu deixava de me

chamar Tibaldo como até então o que ve

io criar a grande incertidão da minha

certidão que ainda hoje subsiste entre

os conservadores da minha identidade



é imperioso

que as estradas

se ajustem aos eleitores

mas também é importante

que estes

se ajustem às estradas

tanto

na sua condição de eleitores

como na de condutores



as estradas

por mais vasto que seja

o esforço orçamental

por mais que se construam

nunca serão tantas

como os eleitores

e até como os condutores



como porém são maiores

cabem nelas

se não todos

pelo menos a esmagadora

maioria dos eleitores

e, com mais razão,

dos condutores

(inclusive os estrangeiros que nos visitam),

o que se deve

à firmeza da orientação do governo



e

assim

temos a nação a andar sobre rodas.

o mais que isto

é metafísica

e não interessa ao cidadão comum,

que está devidamente recenseado

e possui veículo motorizado.



Manuel António Pina

O QUE ME VALE



O que me vale aos fins de semana

é o teu amor provinciano e bom

para ele compro bombons

para ele compro bananas

para o teu amor teu amon

tu tankamon meu amor

para o teu amor tu me flamas

tu te frutti tu te inflamas

oh o teu amor não tem com

plicações viva aragon

morram as repartições

1 comentário:

  1. Presto neste “lugar de todos” (os que assim o desejarem e assumirem) o reconhecimento pessoal a uma poetisa cuja obra me proporcionou e proporciona, um passeio na maior avenida do universo (das conhecidas e intuidas). Refiro-me naturalmente à poesia de “tantos nomes” e da poetisa Florbela Espanca (Florbela de Alma da Conceição Espanca), em particular. Recebi em jeito de empréstimo o Livro SONETOS da europa-américa – ib284 livros de bolso ... e o passeio pela “avenida” teve início!
    Ouso partilhar dois...
    PASSEIO AO CAMPO
    Meu Amor! Meu Amante! Meu Amigo!
    Colhe a hora que passa, hora divina,
    Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
    Sinto-me alegre e forte! Sou menina!

    Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina ...
    Pele dourada de alabastro antigo ...
    Frágeis mãos de madona florentina ...
    - Vamos correr e rir por entre o trigo!

    Há rendas de gramíneas pelos montes ...
    Papoilas rubras nos trigais maduros ...
    Água azulada a cintilar nas fontes ...

    E à volta, Amor ... tornemos, nas alfombras
    Dos caminhos selvagens e escuros,
    Num astro só as nossas duas sombras ...


    SE TU VIESSES VER-ME ...
    Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
    A essa hora dos mágicos cansaços,
    Quando a noite de manso se avizinha,
    E me prendesses toda nos teus braços ...

    Quando me lembra: esse sabor que tinha
    A tua boca ... o eco dos teus passos ...
    O teu riso de fonte ... os teus braços ...
    Os teus beijos ... a tua mão na minha ...

    Se tu viesses quando, linda e louca,
    Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
    E é de seda vermelha e canta e ri

    E é como um cravo ao sol a minha boca ...
    Quando os olhos se me cerram de desejo ...
    E os meus braços se estendem para ti ...

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